Patrimonialismo, Burocracia, Nova Gestão Pública (NGP) e Governança Pública — o que são, como se manifestam no dia a dia e por que saber identificá-los faz você trabalhar melhor.
Neste guia completo sobre modelos de gestão pública — você encontrará definições claras, exemplos práticos do cotidiano do gestor, analogias que facilitam a compreensão e referências a estudos acadêmicos (SciELO, OECD e revistas especializadas). Leitura indispensável para gestores, estudantes e profissionais que buscam eficiência e ética na administração pública.
Por que modelos de gestão importam?
Imagine a administração pública como um grande motor — conhecer o tipo de combustível e a mecânica desse motor permite escolher as peças certas, ajustar a manutenção e evitar que ele quebre no pior momento. Os modelos de gestão pública são esses manuais de mecânica: descrevem como as decisões são tomadas, onde está a autoridade, quais valores orientam a atuação e como a organização reage às demandas sociais. Saber identificá-los ajuda o gestor a planejar, comunicar, executar políticas e a evitar erros que custam tempo e recursos.
1) Patrimonialismo — o estado visto como extensão do privado
Patrimonialismo descreve uma forma de poder em que o espaço público e o privado se confundem; autoridades tratam cargos, recursos e decisões como extensões de interesses pessoais ou de grupos próximos. É como uma casa grande onde os móveis, as contas e até a geladeira parecem pertencer ao dono — quem controla a casa decide também sobre bens e pessoas, sem regras claras que limitem esse poder.
Historicamente, o conceito foi trabalhado a partir de Weber e aprofundado por estudos sobre o Estado brasileiro, que mostram como padrões patrimonialistas podem interromper a impessoalidade e a legalidade na administração pública, favorecendo clientelismo e nepotismo. Em contextos patrimonialistas, a nomeação para cargos é frequentemente baseada em lealdade, não em méritos formais; contratos e serviços podem ser direcionados a aliados em vez de seguir processos competitivos.
No cotidiano de um gestor público, isso se percebe quando decisões prioritárias parecem atender interesses pessoais ou quando a gestão de recursos segue “jeitos” informais: existe um clima em que perguntar “por que foi feito assim?” encontra resistência, e rotinas formais (licitações, concursos, auditorias) são interpretadas como obstáculos a serem contornados, não instrumentos de transparência.
O que muda quando se reconhece patrimonialismo: identificação de riscos (favoritismo, concentração de poder), cuidado redobrado com processos de contratação, transparência ativa (publicação de dados) e fortalecimento de mecanismos de controle interno e externo.

2) Burocracia (weberiana) — regras, rotinas e racionalidade legal
A burocracia ideal tipificada por Max Weber surge como resposta à incerteza e ao favoritismo: papéis definidos, hierarquia formal, regras escritas e procedimentos padronizados. Pense em um manual detalhado que descreve passo a passo como cada tarefa deve ser feita — o objetivo é previsibilidade e imparcialidade.
As vantagens aparecem claramente: decisões menos arbitrárias, continuidade administrativa, segurança jurídica e capacidade de lidar com complexidade técnica. Porém, a burocracia também pode gerar rigidez, lentidão e foco excessivo em conformidade documental, em detrimento de resultados e inovação. Estudos sobre a burocracia no Brasil e suas crises de legitimidade exploram essa tensão entre eficiência técnica e distância em relação aos cidadãos.
Na prática diária, a burocracia se manifesta quando um servidor consulta normativos para cada passo (protocolos, formulários, fluxos de aprovação). Processos longos para autorizar compras, exigência de múltiplas assinaturas para liberar um projeto, ou sistemas que priorizam a “comprovação” em detrimento do impacto são pistas claras desse modelo.
Ao identificar uma cultura burocrática: invista em clareza de procedimentos, mas busque simplificação. Ferramentas como fluxos padronizados digitais, guias rápidos para cidadãos e revisão de normas que se tornaram obsoletas ajudam a manter o ganho de imparcialidade sem sacrificar agilidade.
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3) Nova Gestão Pública (NGP / New Public Management) — eficiência e mercado na administração
A Nova Gestão Pública (NGP) emergiu nas últimas décadas do século XX como uma tentativa de renovar a administração pública usando princípios do setor privado: foco em resultados, métricas de desempenho, terceirizações, contratos por resultados e uma cultura gerencial orientada a custo-benefício. A discussão ganhou impulso internacional em documentos de organizações como a OECD, que passaram a promover práticas voltadas para eficiência e foco no usuário.
No dia a dia, isso significa metas claras para serviços (por exemplo, tempo médio de atendimento), instrumentos como contratos de gestão entre governos e agências, e a adoção de indicadores para avaliar programas. Por outro lado, a ênfase em eficiência pode negligenciar equidade, serviços de baixa demanda e o papel redistributivo do Estado. A literatura nacional discute como as inovações pós-NGP tentam conciliar eficiência com padrões públicos e accountability.
Sinais de NGP na rotina: indicadores de desempenho publicados, uso de painel de metas, contratos com cláusulas de performance, reestruturação em formato de unidades gerenciais com autonomia para decidir sobre gastos operacionais.
Como o gestor se beneficia: adotar metas e indicadores torna mais fácil justificar pedidos orçamentários e medir impacto; negociar contratos com resultados melhora a accountability frente ao cidadão; atenção precisa ser dada à qualidade dos indicadores para evitar metas perversa (quando medir algo distorce o comportamento).

4) Governança pública — redes, participação e compartilhamento de responsabilidades
Governança pública é uma lente para entender como o Estado interage com sociedade, mercado e diferentes níveis de governo para construir soluções públicas. Não se trata apenas de quem manda, mas de como decisões são tomadas em rede: conselhos, parcerias, participação social, arranjos interinstitucionais e mecanismos de coordenação. Pense em uma orquestra onde vários músicos (agências, ONGs, empresas, cidadãos) precisam tocar a mesma peça sem que haja um único maestro que saiba tudo; o resultado depende de comunicação, regras de convivência e acordos.
A governança pública enfatiza transparência, participação e co-produção de serviços públicos. Em vez de concentrar todas as soluções em um órgão, busca-se distribuir responsabilidades conforme capacidades: uma secretaria pode desenhar políticas, ONGs podem executar programas específicos, e cidadãos participam no monitoramento.
No cotidiano do gestor, isso representa frequentar articulações intersetoriais, compor conselhos com atores da sociedade, estabelecer contratos sociais com metas compartilhadas e desenhar mecanismos claros de responsabilização entre parceiros. Ao apostar na governança, ganha-se legitimidade e capacidade de implementação, mas há custos de coordenação e necessidade de capacidades de negociação e mediação.
Comparando os quatro modelos — um mapa rápido
- Patrimonialismo: autoridade pessoal, mistura público/privado, risco de clientelismo.
- Burocracia: regras formais, hierarquia, previsibilidade; pode ser lenta/outdated.
- Nova Gestão Pública (NGP): foco em eficiência, resultados, instrumentos de mercado.
- Governança pública: redes, participação, coordenação entre múltiplos atores.
Cada modelo não é mutuamente exclusivo — na prática, órgãos e governos operam com misturas: pode haver forte aparato burocrático coexistindo com práticas de NGP (indicadores e contratos) e, em alguns pontos, resquícios patrimonialistas que precisam ser combatidos.
Como identificar o modelo predominante na sua organização — checklist prático
- Tomada de decisão: baseada em laços pessoais ou em normas escritas? (laços → patrimonialismo; normas → burocracia).
- Medição de resultados: há indicadores públicos, metas e painéis? (sim → NGP).
- Participação e parcerias: existem conselhos, contratos com ONGs e articulações intersetoriais? (sim → governança).
- Transparência: dados e processos são publicados e auditáveis? (ausência de transparência pode sugerir patrimonialismo).
Responder essas perguntas no contexto do seu órgão ajuda a estabelecer prioridades de reforma: combate ao patrimonialismo exige compliance e controles; excesso de burocracia pede revisão normativa e digitalização; implementação de NGP requer indicadores bem desenhados; governança exige capacidade de diálogo e instrumentos legais que formalizem parcerias.

Ferramentas e práticas concretas que o gestor pode aplicar já amanhã
- Mapeamento de processos: desenhar fluxos e identificar gargalos. A padronização ajuda a preservar o que funciona e a remover etapas inúteis. (combate à burocracia improdutiva).
- Painel de indicadores públicos: publicar métricas relevantes para usuários e gestores; revisar metas para evitar perverse incentives. (princípios de NGP).
- Transparência ativa: divulgar contratos, licitações e despesas em formato aberto. Reduz espaço para práticas patrimonialistas.
- Conselhos e fóruns de pactuação: institucionalizar canais de participação para legitimar decisões e compartilhar responsabilidades. (governança).
- Capacitação gerencial: treinar equipes em monitoramento de indicadores, gestão por resultados e negociação interinstitucional. (NGP + governança).
A cozinha da administração pública
Pense numa cozinha profissional:
- Em restaurantes com patrimonialismo, o chef-proprietário decide quem cozinha, quando há ingredientes e para quem serve — lealdade vale muitas vezes mais que técnica.
- Em cozinhas weberianas (burocráticas), existe uma ficha técnica para cada prato, escalas, e ninguém altera a receita sem autorização; previsibilidade e padronização dominam.
- Na filosofia da NGP, o restaurante revisa cardápios conforme vendas, mede ticket médio, terceiriza certos serviços (delivery) e busca eficiência por meio de indicadores.
- Em termos de governança, a cozinha participa de uma rede com fornecedores locais, nutricionistas, consumidores e órgãos de saúde — decisões sobre cardápio e fornecimento são tomadas em diálogo.
Essa imagem ajuda a perceber que a mesma cozinha pode combinar elementos: padronização de processos, indicadores de vendas, parcerias com produtores locais e, infelizmente, decisões clientelistas se houver patrimonialismo.
Casos do dia a dia do gestor — situações e ações recomendadas
- Uma compra emergencial é constante: se procedimentos foram saltados rotineiramente, investigar se há pressão política (patrimonialismo) ou necessidade real de simplificação (revisão burocrática). A resposta pode ser implementar termos de referência padronizados e um processo de auditoria.
- Metas de atendimento estão sendo batidas, mas usuários reclamam de qualidade: revisar indicadores para incluir satisfação do usuário e não apenas tempo de fila (NGP bem desenhada).
- Projetos intersetoriais emperram por conflito de competências: criar um acordo de governança, com responsabilidades claras e um comitê gestor que resolva impasses.
- Concorrência para cargos de confiança é vista como fonte de problemas: elaborar critérios públicos e avaliáveis para nomeações e funções gratificadas, com transparência dos requisitos (redução de práticas patrimonialistas).
Limites de cada modelo — atenção às consequências indesejadas
- Combater o patrimonialismo exige esforço institucional e resistência política; é preciso que a proteção a denunciantes e o fortalecimento da auditoria acompanhem as medidas.
- Reformular a burocracia pode abrir fragilidades se perderem controles essenciais; digitalizar sem padronizar criteriosamente pode gerar exceções.
- Aplicar NGP sem cuidados traz risco de priorizar indicadores fáceis de mensurar em detrimento de qualidade ou equidade.
- Governança exige tempo de articulação e capacidade de mediação; parcerias mal desenhadas podem levar à diluição de responsabilidades.

Como combinar modelos estrategicamente (um roteiro prático)
- Diagnóstico: mapear cultura organizacional, processos e indicadores. Use entrevistas, análise documental e dados operacionais.
- Priorizar riscos: se patrimonialismo está presente, foque em transparência e controles; se burocracia excessiva, priorize simplificação e digitalização.
- Desenhar metas e indicadores inteligentes: alinhados a resultados e à coesão social. Evite indicadores que incentivem práticas indesejadas.
- Estruturar governança: criar fóruns com atores relevantes e contratos claros com parceiros executores.
- Capacitar e comunicar: treinar servidores, publicar resultados e abrir canais de participação.
Conclusão — a vantagem competitiva do gestor que entende modelos
Um gestor capaz de identificar e transitar entre patrimonialismo, burocracia, NGP e governança pública tem uma vantagem prática. Além disso, conseguir ler o ambiente, escolher instrumentos adequados, antecipar resistências e aumentar a efetividade administrativa. Muito além de rótulos teóricos, esses modelos são mapas que orientam decisões cotidianas — desde como contratar, medir e prestar contas, até como mobilizar a sociedade em torno de políticas públicas.
Ao aplicar o que aprendeu aqui: mapeie processos, publique indicadores com transparência, construa arranjos de governança e mantenha atenção constante a sinais de patrimonialismo. Assim, o motor público funciona melhor, rende mais e atende com mais justiça.
Leituras e fontes recomendadas (escolha rápida para se aprofundar)
- O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia… — Scielo (análise clássica do patrimonialismo no contexto brasileiro). (SciELO)
- Burocracia e Crise de Legitimidade — artigos sobre Weber e a burocracia na administração pública. (SciELO)
- Public Administration after “New Public Management” — OECD (visão internacional sobre NGP e suas evoluções). (OECD)
- Governança pública: uma revisão conceitual — Revista do Serviço Público / ENAP (revisão teórica sobre governança). (revista.enap.gov.br)
- Estudos recentes sobre construção de modelos de governança no Brasil (elementos e análises nacionais). (SciELO)
Fontes principais consultadas
(Seleção de estudos e revisões citadas ao longo do texto; para leitura aprofundada)
- Campante, R. G. O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia … SciELO. (SciELO)
- Branco, P. H. Burocracia e crise de legitimidade (SciELO). (SciELO)
- OECD. Public Administration after “New Public Management” (2010). (OECD)
- Teixeira, A. F.; Gomes, R. C. Governança pública: uma revisão conceitual — Revista Serviço Público / ENAP. (revista.enap.gov.br)
- Raschendorfer, É. V. Elements That Impact Building a Public Governance Model (SciELO, 2023). (SciELO)






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